Após a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) no Senado, em dezembro, agora é a vez de a Câmara dos Deputados analisar novamente o projeto que orientará as ações do governo e estabelecerá metas para a área educacional pelos próximos 10 anos, até 2024. Uma comissão especial foi instalada em meados de fevereiro e, orientado por movimentos sociais e ativistas, o relator da proposta, deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), diz que entregará um relatório mais próximo do que saiu da Câmara anteriormente. “O parecer deve restabelecer os conceitos que estão no texto da Câmara, mas há avanços em algumas alterações promovidas pelos senadores”, ponderou. A principal diferença entre as duas matérias diz respeito ao financiamento: na versão do Senado, isenções fiscais e parcerias com a iniciativa privada passam a contar na meta de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) destinados à educação. Com a alteração, o PNE da Câmara passou a ser visto como “pauta-bomba” pelo governo.
Para evitar contestações, o governo chegou a mudar datas de eventos. O reinício das discussões do PNE na Câmara coincidiria com a semana da Conferência Nacional de Educação (Conae) de 2014. Por uma decisão do Ministério da Educação (MEC), o evento foi transferido para novembro deste ano, após o fim da tramitação do PNE — prevista para terminar no 1º semestre —, e do segundo turno das eleições presidenciais. A pasta alegou a ocorrência de “problemas administrativos” para a mudança de data. Nas próximas semanas, a comissão especial realizará audiências públicas com movimentos sociais para debater o tema.
“Ainda que os participantes tenham posições diferentes, a maioria deles defende um incremento no investimento federal em educação, e é justamente o que se está discutindo no PNE. Com certeza, a Conae acontecer enquanto o plano tramita abriria um espaço de disputa política”, comenta Márcia Aparecida Jacomini, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). A Conae reuniria em Brasília cerca de 4 mil delegados de todo o país, entre 17 e 21 de fevereiro. O adiamento foi um dos últimos atos de Aloizio Mercadante como ministro da Educação, em decisão publicada em 4 de dezembro. “Há toda uma conjuntura no país que contribuiu para o adiamento. Tradicionalmente, as conferências de educação são espaços de crítica à condução da política educacional. É plausível querer jogar isso para depois das eleições”, comenta Jacomini.
Críticas
Durante a instalação da comissão do PNE, sindicalistas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) lotaram o plenário. “Estamos em Brasília para um encontro nosso. Mas, com certeza, se a Conae não tivesse sido adiada, a pressão seria muito maior”, comentou o vice-presidente da entidade, Milton Canuto. “Para nós, o ponto principal é o investimento público. O texto do Senado substitui a locução ‘investimento em educação pública’ por ‘investimento público em educação’, favorecendo as empresas privadas da área. Vamos acompanhar a tramitação do PNE e pressionar pelo texto original da Câmara”, disse.
A CNTE e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) lançaram nota criticando a decisão do MEC, bem como a Federação de Sindicatos de Professores do Ensino Superior (Proifes). Em nota, a Proifes destacou que a Conae cumpriria a função de “pressionar a Câmara Federal a não aprovar os grandes retrocessos que foram incluídos no texto do Plano Nacional de Educação no Senado”.
Procurado pelo Correio, o MEC enviou nota atribuindo o adiamento à necessidade de realizar uma nova licitação, dada a “grande dimensão” que o evento havia ganhado. “Com isso, os custos referentes à logística, como transporte aéreo, alimentação, hospedagem, apresentados pela empresa organizadora do evento, são incompatíveis com o padrão de austeridade que o MEC destina a suas ações e eventos. Como não há prazo hábil para uma nova licitação, a única opção viável foi o adiamento”. A resposta causou estranhamento entre os participantes, especialmente pelo fato de o evento estar sendo organizado desde 2012.
Palavra de especialista
Versão mais branda
O texto aprovado na Câmara dos Deputados em junho de 2012 é muito superior ao do Senado, especialmente em dois pontos: ele obriga a União a fazer a expansão de vagas públicas na educação superior e no ensino técnico, e também a fazer repasses para o atingimento do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), que é uma quantia mínima a ser investida por aluno. Da forma como saiu do Senado, a União não só fica desobrigada de expandir o ensino superior e técnico com vagas públicas, como também a libera das contribuições para o atingimento do CAQi, que passaria a ser custeado pelos estados e municípios. É um absurdo. Da forma como saiu do Senado, o PNE traz metas mais fáceis de serem atingidas e com menos impacto orçamentário, mas que não significarão uma melhoria real na educação. O PNE é considerado uma pauta bomba pelo governo federal, e o adiamento visa justamente impedir essa pressão sob o Congresso, para manter o texto tal como aprovado pelo Senado.
Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e mestre em Ciência Política pela USP.